_ Belisa Pereira _
Dia 10 de outubro é Dia Mundial da Saúde Mental, e tenho estudado muito este tema nos últimos anos, pois esse é um assunto que “me pega e me vira do avesso”.

Vamos começar pelo clichê da definição sobre saúde mental. Segundo a Organização Mundial de Saúde e o Ministério da Saúde no Brasil, a saúde mental pode ser definida como um estado de bem-estar que provém de aspectos psicológicos e emocionais do indivíduo, além de condições fundamentais como saúde física, apoio social e condição de vida, mas também é determinada por aspectos sociais, ambientais e econômicos. Essa definição é importante pra você entender o contexto do que quero falar aqui.
Mas você sabe por que brincar é essencial para a manutenção da nossa saúde mental? Porque tudo começa ao brincar.
Primeiro é importante lembrar que brincar é um direito. A proteção do brincar vem de documentos importantes internacionais e nacionais e, finalmente, em 2024, brincar tornou-se LEI 14.826 que "institui a parentalidade positiva e o direito ao brincar como estratégias intersetoriais de prevenção à violência contra crianças."

E “nada mais ilumina o cérebro do que brincar". Essa frase é do psiquiatra Stuart Brown e é uma boa introdução para explicar como o nosso cérebro reage ao brincarmos. Segundo seus estudos, nada mais ativa o cérebro do que a brincadeira. É através da brincadeira que o ser humano, desde o momento em que nasce, e até mesmo já no útero da mãe, recebe estímulos essenciais para a vida e para seu desenvolvimento pleno e saudável.
No campo da neurociência, brincar ativa o cerebelo (que é uma estrutura do sistema nervoso central com diversas funções importantes no corpo como equilíbrio, controle do tônus muscular, coordenação motora, postura e sequência de movimentos. Brincar manda impulsos para o lobo frontal que é considerado o centro do controle comportamental e emocional e responsável pela personalidade. Ainda, brincar ajuda no desenvolvimento da memória contextual - que é a memória a longo prazo -, além de desenvolver funções essenciais para nosso desenvolvimento físico, social, cognitivo e emocional.
Parece um texto complicado e cheia de termos, mas é importante a gente lembrar que brincar é ciência! Existem estudos que comprovam a sua importância.
Outro grande estudioso do brincar, o Dr Peter Gray, diz que "Brincar é a maneira da natureza garantir que as crianças e outros jovens mamíferos aprenderão o que devem para sobreviver e se sair bem."

Portanto, brincar na infância é essencial, já que todos os estímulos provocados durante este período, sejam positivos ou negativos, influenciarão toda uma vida. Principalmente se falarmos da primeira infância, que é a faixa de 0 a 6 anos, importantíssima para o desenvolvimento pleno do ser humano. Ou seja, as vivências na infância moldam o futuro e a saúde adulta.
E não brincar faz muita falta. Vamos pensar que brincar é a nossa proteção pro mundo, a nossa janela. Se houver uma quebra nessa janela, nós teremos prejuízo na nossa proteção. A falta de estímulos dos nossos sentidos (os 5 sentidos mesmo, tato, olfato, paladar, visão e audição), de exploração, de resolução de problemas, de resiliência, de criatividade, de vínculos sociais; problemas de concentração, saúde física (estímulos corporais) e saúde mental (sociabilidade, autoconhecimento). É a quebra do desenvolvimento integral do ser humano.
E aí você me pergunta: ok, brincar é fundamental para o desenvolvimento pleno do humano. Mas o que afinal brincar tem a ver com saúde mental e bem-estar?
Pois bem, se o brincar é responsável por nosso desenvolvimento saudável como um todo, isso está totalmente relacionado ao nosso bem-estar. A nossa espécie é concebida para brincar ao longo de toda nossa existência, desde os estímulos no útero da mãe, passando pelos bebês, crianças de diversas idades, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Quando paramos de brincar, nos deprimimos.
Então, para que a gente compreenda de vez que brincar não só é importante, mas sim fundamental, te apresento a essa frase do Dr Stuart Brown: "Às vezes comparo o brincar com o oxigênio – está a nossa volta, mas passa despercebido ou não apreciado até que desapareça." Brincar é a nossa sobrevivência. Nós precisamos respirar para viver. Nós precisamos brincar para viver.
Pois bem, lá no início definimos a saúde mental como um estado de bem-estar determinado não só por fatores pessoais e individuais, mas também aspectos ambientais, sociais e econômicos. São muitas camadas que envolvem essa saúde mental.
Como falar de saúde mental para mulheres esgotadas? Segundo dados recentes, no Brasil, a cada 10 pessoas diagnosticadas com depressão e ansiedade, 7 são mulheres. Ainda, quanto mais pobres, mais adoecidas. E a pobreza é feminina, pois 70% das pessoas que vivem em situação de pobreza no mundo são mulheres. Isso sem contar o excesso de responsabilidades e violação de direitos, com abusos físicos e sexuais. Principalmente se falando em mulheres pardas e pretas.
Como falar de saúde mental para pessoas que sofrem diariamente o crime de racismo? Inclusive o ambiente escolar é onde mais se sofre racismo e é o primeiro espaço onde as crianças vivem a violência racial.
Como falar de saúde mental para a população indígena? A taxa de suicídio de indígenas cresce anualmente no país, principalmente por falta de assistência e aumento da violência.
E como falar de saúde mental de pessoas com deficiência, que pode ser afetada por diversos fatores, como a falta de acessibilidade, o capacitismo e a exclusão social? As cidades não são feitas para todos, mas sim para a maioria.
Como falar de saúde mental para a comunidade LGBTQIAPN+ que é morta dentro do seu próprio país, somente por ser quem é. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo!
E os homens? Sofrem também! A cada 10 pessoas que cometem suicídio, 8 são homens. A masculinidade tóxica mata de dentro pra fora.
E podemos falar de saúde mental enquanto se tem fome? Existem sofrimentos que são muito mais do que uma questão de saúde mental individual e que independem da resiliência da própria pessoa. Não se tratam em uma sala de terapia, pois esse profissional incrível que é o psicólogo não dá conta. Esses são problemas estruturais, complexos, socialmente amplos.
E a ansiedade climática? Com aquecimento global e todos os seus reflexos pelos quais passamos diariamente, a população jovem principalmente passou a sofrer mais angústias relacionadas a esses eventos.
E falando em ansiedade, o Brasil é o país mais ansioso do mundo! E economicamente, a ansiedade e demais transtornos mentais ligados a ela, como a depressão, por exemplo, dão um prejuízo de mais de 1 trilhão de dólares anualmente, segundo dados da Organização Mundial de Saúde.
Olha que curioso: sabem o que contribui para essa ansiedade? O ambiente de trabalho. A economia passa por um ciclo doentio, pois se as organizações investissem na saúde mental de seus trabalhadores, teriam menos prejuízos em relação a licenças médicas e baixa produtividade, por exemplo. E é importante dizer que o ambiente de trabalho envolve tudo que vem com ele, como estresse para seu deslocamento, espaço físico inadequado seja na empresa ou em home office, dupla jornada (de trabalho ou cuidando da casa e família), insatisfação pessoal e profissional, dentre outros.
E o que fazer sobre essas tantas camadas que frequentemente afetam nossa saúde mental enquanto sociedade? Para refletir, trago mais uma frase, desta vez da incrível Djamila Ribeiro: "É importante ter em mente que para pensar soluções para uma realidade, devemos tirá-la da invisibilidade.” Nós precisamos falar sobre todas essas camadas. Continuar exigindo nossos direitos básicos que estão na Constituição. Continuar denunciando crimes, exigindo o comprometimento do poder público no cumprimento das leis, votando em agentes de mudança sérios e comprometidos, e fazendo a sua parte enquanto cidadão, indivíduo, mãe, pai, família, comunidade, profissional. É cansativo? Sim, muito. Mas cada um de nós tem o seu papel.

Também em 2024, o cuidado com a saúde mental de crianças e adolescentes também tornou-se LEI. A Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares, LEI 14819, é uma "Estratégia para a integração e a articulação permanente das áreas de educação, de assistência social e de saúde no desenvolvimento de ações de promoção, de prevenção e de atenção psicossocial no âmbito das escolas." Ou seja, as escolas devem promover ações junto à assistência social e saúde para promoção do bem-estar e saúde mental da sua comunidade. As escolas devem ser espaços seguros de acolhimento para crianças e adolescentes. E a gente sabe que, apesar de ser lei, poucas são as escolas que tem profissionais capacitados para agir em casos de violência, bullying e problemas de saúde mental.
Mas em caso de recursos escassos para a contratação de profissionais exclusivos, aqui vão algumas dicas: entrem em contato com universidades ou faculdades da sua região e verifiquem a possibilidade dos estudantes dessas instituições oferecerem ações de atenção psicossocial na escola. Essas ações podem ser gratuitas ou de baixo custo. Da mesma forma, existem coletivos de psicólogos que também oferecem ações de baixo custo ou mesmo gratuitas para comunidades escolares. Inclusive, uma das ações que podem ser feitas segundo a LEI 14819 para atenção psicossocial é justamente a capacitação dos profissionais que já trabalham nas escolas para identificar melhor as questões sobre o tema. Que tal conhecer mais sobre a IPA Brasil em ipabrasil.org? Fica aí mais uma dica.

Mas este já é um texto cheio de informação de qualidade. E eu quero encerrá-lo de maneira justa e te perguntando: e aí, vamos cuidar de nós mesmos? Todos nós precisamos cuidar de nossa saúde mental e bem-estar. E quando trabalhamos para crianças e adolescentes, mesmo que indiretamente (na escrita de projetos, por exemplo), e principalmente quando estamos diretamente com esse público, é importante que estejamos bem para que possamos passar tranquilidade, afeto, segurança e ter maior empatia com as necessidades trazidas.
Porém, independente de com quem ou para quem trabalhamos, todos nós já somos alguém que merece viver com sua saúde mental em dia.
Aqui vão algumas dicas de autoconhecimento e autocuidado que aprendi e quero compartilhar com você, pois elas se repetem em diversos textos, canais, mídias sociais que estamos expostos e você merece que todas estejam condensadas em um lugar para facilitar sua vida. De nada, viu?! Vamos lá!
*Não reprima seus sentimentos e escute as suas emoções;
*Pense antes de agir e pare pra respirar sempre que sentir que está perdendo o controle;
*Seja gentil com seu corpo;
*Estabeleça limites e aprenda a dizer não (de uma maneira gentil e honesta);
*Nada de fazer além: nessa tentativa de fazer além, nós não fazemos nem o que precisamos nem o além, pq o além não é o previsto! Sejamos o que precisamos ser. Todos nós somos necessários em nossos papéis.
*Diminua o tempo nas redes sociais (logo após ler este texto);
*Descanse e durma bem;
*Perdoe seus próprios erros (o mundo continua o mesmo antes e depois de você errar, se culpe menos);
*Seja egoísta e foque nas suas necessidades também;
*Faça terapia, se possível;
*Tenha amor próprio;
*Seja grato, mas reclame se precisar (ninguém quer ver seu olho tremendo porque você guardou uma reclamação pra si!).
E por fim e não menos importante: passe tempo de qualidade. A vida é rápida. Cuide do seu lazer, brinque mais! As crianças precisam brincar, e os adultos também precisam! Assim como os adolescentes, jovens e idosos. Até os animais precisam brincar. Pensa aí num cachorro ou um gato e lembre como eles gostam de brincar também. Isso está ligado aos mamíferos. Lembra que eu falei que a nossa espécie precisa brincar? Leve isso a sério. Brincar é coisa séria!
E lembre-se: o brincar é como o oxigênio – está à nossa volta, mas passa despercebido ou não apreciado até que desapareça. Não deixe faltar oxigênio. Cuide de você, cuide dos seus, respire e brinque!
Bibliografia
BROWN, Stuart. Play: How it shapes the brain, opens the imagination, and invigorates the soul. EUA: Avery, 2009;
Unicef: https://www.unicef.org/brazil/blog/saude-mental-infantil#:~:text=De acordo com a Organização,manter um bom funcionamento psicossocial;
Relatório OMS sobre Saúde Mental no Mundo: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/356119/9789240049338-eng.pdfsequence=1&utm_source=ActiveCampaign&utm_medium=email&utm_content=Saúde+Mental%3A+precisamos+falar+sobre+isso!&utm_campaign=Saúde+Mental+[Signatárias2] ;
Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14819.htm ;
Caso precise de ajuda, algumas sugestões de apoio:
Clínica-escola de universidades públicas e privadas