O brincar deve auxiliar no desenvolvimento motor e intelectual, além de ser responsável por parte do desenvolvimento pessoal e emocional (ensinando coisas como o respeito às regras, trabalho em equipe e lidar com a frustração de perder). Brincando, a criança aprende a agir na esfera cognitiva, sendo a brincadeira uma transição entre as situações da infância que são reais e o pensamento adulto.
Sabendo o tamanho da importância do direito de brincar, deve-se levar em consideração também as diferentes etapas do desenvolvimento e o fato de que cada criança se desenvolve em um ritmo diferente (e com suas preferências individuais), ao mesmo tempo em que devemos estar atentos à igualdade em oportunidades para brincar (seja relacionada à gênero, raça, classe, capacitismo etc.) para assegurar que o Artigo 31 da Convenção dos Direitos da Criança da ONU (“Toda criança tem o direito ao descanso e ao lazer, a participar de atividades de jogo e recreação apropriadas à sua idade e a participar livremente da vida cultural e das artes”) e o Artigo 227 da Constituição Federal brasileira (1998) sejam respeitados.
De acordo com o Guia “O direito de brincar de todas as crianças”, feito pela Rede Nacional Primeira Infância (2014), existem algumas condições básicas para que o direito de brincar seja plenamente assegurado: (i) efetivar políticas públicas (que garantam o exercício do direito de brincar e difundam as garantias legais existentes); (ii) ampliar a informação e comunicação para todos os públicos (em relação à importância do brincar para o desenvolvimento infantil); (iii) assegurar a oferta de espaços adequados (se atentando às condições dos espaços físicos e relacionais); e (iv) promover a formação e o empoderamento dos Agentes (guardiões do direito de brincar das crianças que promovem para todas as crianças – sem exceção – oportunidades lúdicas com conhecimento, qualidade e sustentabilidade).
Compreendidas como planos governamentais, as políticas públicas que têm como objetivo atuar na área da infância costumam sofrer diversos empecilhos, entre eles a falta de profissionais qualificados e a falta de recursos financeiros. Hoje, é preciso compreender a infância como algo dinâmico, que se constrói diariamente dentro de um contexto socioeconômico e político e que deve ser alvo e objeto de políticas públicas sérias e adequadas à realidade. Diante disso, as indústrias, ONGs e grupos organizados de profissionais da sociedade civil se debruçam sobre as ciências sociais a fim de compreender os novos cenários e encontrar soluções para auxiliar o poder público, pois sabe-se que a avaliação e monitoramento de projetos são grandes desafios para a otimização do uso de recursos em ações sociais mais eficientes.
Segundo a Unesco, a educação se torna indispensável à humanidade na construção de novos ideais caracterizados pela paz, pela liberdade, pela igualdade de oportunidades e pela justiça social. Como o mundo está em constante mudança, a educação também deve ser dinâmica (como a infância) e durar por toda a vida. A educação do ser humano engloba o brincar, pois também é por meio dele que se aprende a cultura dos mais velhos; no entanto, a brincadeira ainda é o inverso do trabalho (e, infelizmente, da maioria da educação nas escolas) pelo fato de ser escolhida (Carneiro e Dodge, 2007).
Para que o brincar seja inclusivo e diverso, devemos levar em conta as nossas diferenças de aparência, de habilidades, de interesses e de idade (entre outros), lembrando sempre que as pessoas se complementam e dependem umas das outras. Na sociedade em que vivemos, com grande competitividade e com uma visão de mundo dualista, o brincar ensina a convivência com os outros, a cooperação e a comunicação (juntamente com o desenvolvimento da linguagem), podendo diminuir os índices de conflito e violência.
Para que uma criança (com deficiência ou não) se sinta aceita e incluída, ela deve ser ouvida e respeitada como sujeito de direito; deve sentir-se parte de um grupo/comunidade/mundo. Logo, há muito mais no brincar do que apenas o desenvolvimento físico, mental e emocional: há o afeto, o estímulo e o reconhecimento do outro e no outro.
Segundo Martins (2009), desde os primeiros meses de vida a criança se inclui no mundo por meio dos vínculos que estabelece com as pessoas à sua volta (principalmente seus cuidadores); isso é uma necessidade básica que permanece durante toda a vida. Ao brincar, conseguimos adquirir os conceitos de valores fundamentais (como confiança, honestidade, cuidado com o próximo, tolerância etc.), criatividade, sustentabilidade, senso de pertencimento, limites e responsabilidades.
De acordo com a autora, o brincar é um espaço em que as crianças podem descobrir o próprio significado da vida e serem elas mesmas, e os brinquedos e brincadeiras fazem parte do imaginário infantil, contribuindo para a educação e servindo de instrumentos para a inclusão da criança em todos os ambientes e para a sua interação com os demais (o que, infelizmente, muitas vezes não acontece com crianças com deficiências físicas, intelectuais ou sensoriais ou com distúrbios psicossociais).
Uma das classificações, tanto para os brinquedos como para as brincadeiras, proposta por estudiosos do tema é: (i) jogos exploratórios (são a base para desenvolver outras habilidades por meio da exploração de diferentes formas, sons, cores etc.); (ii) jogos sociais (com a participação de um ou mais parceiros no novo, desenvolvem a capacidade de negociação); (iii) jogos ativos (desenvolvem a capacidade motora pelo uso do corpo); (iv) jogos de habilidades (estimulam a mira, o raciocínio ou a montagem de algo); e (v) jogos de faz de conta (com a imaginação e a criatividade, auxiliando na compreensão da realidade por meio do simbolismo).
No contexto de pandemia, entre os vários desafios enfrentados pelo isolamento social esteve a convivência com as crianças dentro de casa por mais tempo (devido ao fechamento das escolas). Essa mudança na rotina não diz respeito apenas aos adultos, mas também às crianças, que são afetadas principalmente pela restrição da convivência e ausência das demais relações humanas (que são necessárias para que elas se desenvolvam plenamente como sujeitos).
De acordo com Gaudío (2020), “além da socialização, a criança precisa de atividades para desenvolver sua coordenação motora e suas habilidades cognitivas”, também alteradas. A psicóloga afirma que a quarentena pode ter gerado bastante ansiedade na criança, interferindo em seu sono, apetite, na sua respiração e em seu humor. Nesse sentido, é de extrema importância que os adultos estejam dispostos a passar um tempo brincando junto com as crianças e estimulando-as, para que elas possam desenvolver sua confiança, segurança e autonomia, garantindo assim uma melhor integração de experiências físicas, sociais e psicológicas.
Ainda segundo a entrevistada, “é bom estimular a criança a fabricar seu próprio brinquedo, a usar a sua imaginação e criatividade”, pois brinquedos muito automáticos ou tecnológicos contribuem pouco para o seu desenvolvimento; é importante também que a criança tenha oportunidade de projetar seus sentimentos, seja com desenhos, com um diário, dançando, praticando atividades físicas ou fazendo uso de dispositivos eletrônicos (em vídeo chamadas com amigos e familiares). Segundo Tourinho Filho (2020), “uma criança que não brinca é um adulto que não pensa”; logo, é imprescindível fazer com que a criança se interesse pelas brincadeiras tradicionais durante o brincar intergeracional, pois é necessário “desafiá-la e torná-la protagonista na proposta da brincadeira, até mesmo trocando o jogo eletrônico pelo similar tradicional”.
Pode-se concluir que os cuidadores, educadores e Agentes do Brincar precisam compreender os benefícios motores, intelectuais, sociais e emocionais do brincar, além de entender que cada criança possui seu próprio desenvolvimento (e seu próprio gosto e forma de brincar) e merece ser respeitada para que faça suas descobertas no seu próprio tempo. No mundo de hoje, principalmente no contexto atual do isolamento social, precisamos entender que o ato de brincar deverá ser controlado pela criança e sempre considerar as suas necessidades, seja em uma brincadeira tradicional ou em brincadeiras envolvendo tecnologia. O desenvolvimento na infância proporcionado pelo brincar fica com o sujeito por toda a vida (assim como as memórias), e já que as relações de afeto influenciam diretamente as experiências da criança por meio das brincadeiras, é dever de todos nós como sociedade preservar e transmitir esses valores fundamentais e garantir as oportunidades ideais para que o brincar aconteça (proporcionando ambientes favoráveis e as adaptações necessárias).
REFERÊNCIAS
Carneiro, Maria Angela Barbato e Dodge, Janine J. A descoberta do brincar. Editora Boa Companhia, 2007.
Martins, Marilena Flores. Brincar é preciso!: guia para mães, pais, educadores e para quem possa interessar... São Paulo: Evoluir Cultural, 2009.
Rede Nacional Primeira Infância (RNPI). Guia: o direito de brincar de todas as crianças. Plano Nacional da Primeira Infância (PNPI/RNPI), Ação Finalística: “O direito do brincar, ao brincar de todas as crianças”. Outubro, 2014.
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