- Mina Regen -
Nas marchas e contramarchas da história do ser humano, podemos observar que a forma pela qual temos lidado com as pessoas com deficiência varia de acordo com os padrões e normas vigentes na sociedade em que se inserem, bem como no modo pelo qual nós, cidadãos, conseguimos lidar com as diferenças.
Assim, se na antiga Esparta, as crianças com deficiência eram eliminadas em nome do culto ao corpo e de uma sociedade guerreira, os romanos, mais tolerantes, expunham-nas em festividades. Se no princípio da Era Cristã, elas ganharam alma e eram protegidas por entidades religiosas, que lhe davam abrigo e assistência, na Idade Média, durante a Inquisição, milhares de pessoas com deficiência mental foram eliminadas por não terem sido capazes de se defender das acusações de heresias (Pessotti, 1984). Ainda em meados do nosso século, outro tanto foi eliminado durante a Segunda Guerra Mundial, em nome da purificação da raça humana.
O que leva o ser humano a ter tanta dificuldade para lidar e aceitar o diferente, o que sai do assim chamado padrão de normalidade?
Segundo Marques (in Mantoan e col., 1997) talvez um dos fatores possa estar localizado em seu processo de identificação e individuação. Neste, o ser humano busca, em sua relação com o outro, identificar o que lhes é comum e o que lhes é diferente, ou seja, é o outro quem lhe permite reconhecer-se como indivíduo, possibilitando o seu ajustamento à sociedade. Portanto, se o auto-reconhecimento é construído a partir dessa relação, necessário se faz que haja um certo equilíbrio entre semelhanças e diferenças, ou seja, o outro não pode se afastar muito dos padrões tidos como normais naquela realidade. Se houver uma identificação total de um indivíduo com o outro, isto acarreta a perda de sua própria identidade e, portanto, a perda de si como ser humano. Outrossim, no caso de se reconhecer no outro uma diferença exagerada, isto também acarreta a desestruturação do indivíduo e o sentimento de perda de sua própria humanidade. Daí a grande dificuldade do ser humano de se confrontar com a diferença alheia. O conflito que surge daquilo que ele é com o que ele pode vir a ser, faz com que apresente comportamentos negativos frente as diferenças.
Outro fator, de acordo com Sassaki (1997) que deve ter influenciado muito essa atitude negativa frente a pessoas com deficiência talvez seja o modelo médico de atendimento a suas necessidades. Durante séculos esse modelo contribuiu para que elas fossem consideradas como doentes, designando-lhes um papel de seres desamparados e passivos, dependentes de cuidados alheios e incapazes para o trabalho, levando vidas inúteis e sendo consideradas “inválidas”.
Somente em meados deste século, mas ainda conservando o modelo médico, foram criados os Centros de Habilitação ou de Reabilitação, com o objetivo de tentar melhorar as pessoas com deficiência e adequá-las aos padrões da sociedade. Mas o fazem de forma segregada, decidindo por elas e não com elas; não se lhes oferece modelos diferentes, não se lhes permite opções.
Estes Centros assumiram um duplo papel social: se por um lado realizam um trabalho que visa proteger e preparar esses indivíduos para uma possível integração na sociedade, por outro estão reforçando a sua identificação e segregação, mantendo-os à margem do contexto social. E vão se tornando cada vez mais especializados por tipo de deficiência, tentando prover-lhes todos os serviços necessários: médicos, odontológicos, educacionais, profissionalizantes, de lazer e de esportes, já que os serviços existentes na comunidade não os aceita como usuários.
Na década de 60 vários fatores contribuem para que as questões relativas as pessoas com deficiência se evidenciem:
na eleição de Kennedy como presidente dos Estados Unidos, sendo ele irmão de uma portadora de deficiência mental;
na criação da Liga Internacional das Associações Pró Pessoas com Deficiência Mental
na estreita relação que essa Liga estabelece com a ONU e o nível de assessoria que consegue junto à UNESCO e à Organização Mundial da Saúde.