- Gisele Cristina Fulas -
Se pensarmos o brincar partindo de uma perspectiva histórica, lembremos que desde os tempos das cavernas, o homem já manifestava sua humanização através do brincar, tal fato pode ser visto nas pinturas rupestres, nas danças, nas manifestações de alegria. No entanto, durante a Idade Média, o brincar foi considerado “ não sério ” por sua associação ao jogo de azar, bastante divulgado na época.
Nos tempos do Romantismo, o brincar aparece como algo sério e destinado a educar a criança. As crianças participavam de diversas brincadeiras como forma de diversão e recreação no decorrer do tempo somente para livrá-las das responsabilidades e preocupações do mundo em que o adulto estava inserido.
Platão cita em As Leis, a importância do “aprender brincando", se opondo sobre a utilização da violência e da repressão, no que se pensava sobre o jogo e a educação, com jogos de demolir, construir, ciranda, pular obstáculos, exemplos estes de brincadeiras da Antiguidade.
No Renascimento o brincar é visto como uma conduta livre que favorece o desenvolvimento da inteligência e facilita o estudo, e por isso foi sendo adotada como instrumento de aprendizagem de conteúdos escolares, contrapondo assim os processos verbalistas de ensino decorrentes da época como palmatória, oportunizando ao professor transcender os conteúdos de uma forma lúdica.
Na obra clássica de Gargântua e Pantagruel ,Rabelais fala do jogo utilizando-se de personagens para encararem a trama de sua história, satirizando os sofistas da época e colocando em questão sua deseducação, seus métodos que não conduziam a valorização de conhecimentos , hábitos saudáveis à saúde, alimentação etc. Entre os passatempos, ele cita mais 204 jogos onde são reconhecidos como jogos de azar,movimentos , seleção e jogos tradicionais da época. Rabelais critica esse tipo de pensamento e fala que na educação do sábio pedagogo, o jogo tem que ser reconhecido como instrumento da educação e por meio desta ser utilizado como instrumento de ensino em Matemática por exemplo. Ressalta também que o jogo tem que ser valorizado e reconhecido como instrumento de aprendizagem , gerando conversa, ilustrando valores e práticas antigas e recuperando brincadeiras dos tempos passados , recomendando até se brincar de ossinhos em dias de chuva relembrando como pensavam e se brincavam antigamente.
Ainda no Renascimento , a concepção do brincar se relaciona à percepção da infância sendo a criança um ser dotado de valores positivos, de uma natureza boa, que se expressa por meio de um brincar espontâneo.
A importância do Brincar
O brincar tem, então, por objetivo a utilização do corpo como via de comunicação com mundo, para colocar a criança em situações variadas de exploração e experimentação concretas. De uma forma real leva a criança à otimização de suas potencialidades, agindo como facilitador na apreensão dos processos pedagógicos, e por meio de atividades lúdicas, favorece o resgate do corpo vivido, ou seja, auxilia a criança a utilizar sua experiência anterior – o concreto, como alicerce, no qual novas experiências irão se apoiar.
Segundo Vygotsky, as crianças, por meio das brincadeiras e do faz-de-conta, resgatam as suas vivências, transformando-as ou reelaborando-as.
É por meio do brincar que acriança vai construindo um mundo mental cada vez mais complexo, não apenas em conteúdo, mas também em estrutura. O mundo mental da criança, devido às ações e interações com o mundo natural e social, acaba por apresentar essas realidades por meio de sensações e imagens dentro de seu corpo e de seu cérebro. Primeiro pela intervenção de outras pessoas, que atuam como mediadoras entre a criança e o mundo; depois pelos sucessos e insucessos da sua ação, ela vai adquirindo experiências que virão a ser determinantes no seu desenvolvimento psicológico futuro.
E quanto mais a criança for colocada em situações nas quais ela tem de buscar novas soluções para conseguir um fim ou resultado desejado, tanto mais ela colocará seu cérebro em funcionamento e novas sinapses se formarão. Esse processo contribui, não só, com o desenvolvimento da inteligência, mas também, com a organização motora e emocional de um sujeito de encontro com sua autonomia, criatividade e ação.
Sendo assim, se pensarmos em um brincar de qualidade para as crianças é essencial que ele seja planejado com intencionalidade entendendo a importância de priorizar um espaço adequado, com materiais interessantes que estimulem a criatividade e a socialização das crianças. É preciso também um olhar diferenciado para propor brincadeiras desafiadoras que contribuam para o desenvolvimento integral dos pequenos.
Referências Bibliográficas
OLIVEIRA, Marta Koll. Vigotsky: Aprendizado e Desenvolvimento um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1995.
PRADEAU,Brisson. As Leis de Platão. São Paulo: Loyola 2004.
RABELAIS, François. Gargântua é Pantagruel. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
GESELL, Arnold . A criança dos 0 aos 5 anos. São Paulo: Martins Fontes,2002.