- JACQUELINE PEREIRA DE SOUZA -
De acordo com o dicionário online Michaelis brincar pode ser definido como “Divertir-se com jogos infantis; entreter-se com objetos ou atividades lúdicas; simular situações da vida real; distrair-se, folgar, recrear-se”. Além dessas definições, ainda encontram-se mais algumas tantas possibilidades, mas algo é certo, quando fala-se de brincar, quase que instantaneamente, voltamos nossos pensamentos a criança, o típico ser brincante do nosso imaginário conjunto. Logo, quando passamos a refletir sobre nosso próprio brincar, é inevitável, regressamos a nossa infância, pois num senso comum, lá e somente verdadeiramente lá, brincamos e nos era permitido brincar.
Colocado isto, vou caminhando para os meus tempos brincantes, nas memórias infantis distantes e outras um tanto mais próximas. Fui a típica criança tachada de “cria de apartamento”, a única diferença na verdade, era que morava numa casa. Minha mãe, que trabalhava como dona de casa, sempre esteve presente, mas pelos possíveis perigos da rua, num bairro não tão seguro, não me era permitido brincar na rua. Com isso, em casa, me restava explorar o brincar dentro desse território. Tinha como minha fiel escudeira minha irmã mais nova e também a única, que nesse mesmo contexto, se aventurava comigo pelos sofás, entre as camas e nos tenebrosos mistérios que o quintal podia reservar. Alguns dias brincávamos de boneca, cuidando de nossos bebês tal como mães exemplares, outros preferíamos os jogos de tabuleiro.
Em dias mais ativos, passávamos horas balançando na rede e enquanto ninguém estava de olho, íamos a alturas que para um crivo adulto, seria uma certa rachadura na cabeça. Porém, a minha brincadeira favorita de todas, que me deixava em êxtase quando era acatada por minha irmã, era a famosa escolinha. Ser a professora, escrever a rotina na lousa, planejar as atividades, checar a cópia da minha “aluna” no caderno, passar até mesmo a lição de casa. Era a coisa mais divertida desse mundo! Eu podia passar horas e horas nessa, mas infelizmente, não tinha o mesmo empenho dos meus queridos estudantes. Entretanto, apesar de sempre ter minha irmã enquanto companheira nas brincadeiras (e nas “artes”), eu gostava imensamente de brincar sozinha. Amava criar minhas próprias histórias, minhas inúmeras personagens e fazer um enorme faz de conta comigo mesma, eu, meu corpo e uma mente efervescente.
E foi no meio desse universo da imaginação, que descobri uma das minhas brincadeiras/ brinquedos favoritos. Na escola, acredito eu, em meados da segunda série, talvez terceira ou quem sabe quarta, me lembro que tínhamos o projeto de criar um brinquedo de material reciclado. Então, decidi fazer uma casa de bonecas em uma caixa de sapato. Com rolos de papel higiênico, caixinhas de pasta de dente e entre outros, fui desenvolvendo a mobília do local. E foi com esse brinquedo, que passei inúmeras horas dos anos seguintes.
Ali viviam algumas personagens, tudo funcionava como se fosse uma pensão. Moranguinho era a dona, com sua fiel tartaruga (uma borracha) de estimação. Vivia ali também o Snoopy surfista que namorava com uma Barbie paralela (todos esses brindes do McLanche Feliz). Havia também, uma família de pôneis, que vinham de uma distante terra mágica. Ali naquela casa, aconteciam as mais diferentes histórias, viagens, brigas, festas de aniversário, casamentos. Eu ficava ali horas a fio junto a mim mesma brincando com todos eles. O uso era tanto que por algumas vezes tive que refazer a casa, tal como uma reforma.
Além das brincadeiras analógicas, como uma boa criança dos anos 90, vivi a ascensão dos computadores e da internet. Os finais de semana eram os grandes dias, neles eram concedidas alguns minutos navegando pelos web-sites infantis, sendo a grande atração o da Barbie. Meu jogo favorito era de criar uma revista, escolhendo todas as características da garota que estaria na capa, os elementos que conteriam nas reduzidas páginas. Eram motivo para grande satisfação, tal como criatura e seu criador.
Além desse, ficava hipnotizada com o site da turma da Mônica e com as centenas de desenhos disponíveis para pintar. De tal maneira, a lentidão da internet discada, o típico barulhinho, o mouse de bolinha, eram as delícias de todo um ritual para esse especial brincar. Ainda quando não havia internet a vinda do computador deu a luz a novos jogos, foi ali no Windows que aprendi a jogar Paciência. No começo só movimentava as cartas desordenadas, um jogo sem a menor graça, até que aprendi as regras e foi ficando cada vez mais divertido. Havia também o campo minado (esse no caso, até hoje não aprendi as estratégias) e outro jogo de fazer bolos, que também garantiu algumas horas de diversão.
Entretanto, a história com o computador não parou pro ai.
Posto a vivência do computador no meu brincar da infância, é colocado outras personagens no meu brincar. Como já dito anteriormente, tinha basicamente minha irmã como cúmplice. Contudo, outras pessoas também habitavam esporadicamente meu espaço brincante, sobretudo meus primos. Eu e minha irmã somos as caçulas dos netos, assim, tínhamos pouquíssimos familiares com a idade próxima as nossas, entre esses poucos, eram meus primos meninos. Portanto, o que restava era brincar de futebol e outras brincadeiras tidas como de menino. Passávamos tardes brincando de competição de “cabeçeada” ou então chute ao gol. Eu, como nunca foi muito habilidosa, era constantemente zoada, minha falta de jeito para jogar bola e minha estabanação, rendeu-me o apelido de “Cavala-man”. Tentava me inserir de qualquer jeito em meio àquelas brincadeiras dos “meninos” e ia conhecendo as nuances do machismo.
Isto posto, expandindo para afora das fronteiras do mundo familiar, sendo a vida como ela mesma. A escola também se fez enquanto espaço fundamental do brincar. Logo nas memórias mais primeiras, deparo-me com o parque de areia. O dia que podíamos ir até lá era de enorme fervor na classe, ainda mais quando era o parque II, o maior de todos, com os maiores brinquedos. Escorregávamos, subíamos no trepa-trepa, fazíamos bolinhos de areia. Uma das lembranças mais trágicas foi o dia em que a lente de contato da professora caiu na areia e tivemos que retornar mais cedo para classe.
E ao falar em brincar na escola, não há como esquecer do recreio. Ali também foi o espaço de muito brincar. Uma das brincadeiras muito brincadas foi o pular corda, entoando desde Salada, Saladinha até Suco gelado, cabelo arrepiado. A música também se fazia presente nas brincadeiras de mão, que eram ensaiadas exaustivamente, até que conseguíssemos fazer cada vez mais rápido, aqui ia-se de Soco, soco; Bate, bate até Tricilomelo. Dessa maneira, foi em meio aos intervalos que saí da música e fui para outra linguagem: os jogos.
Me deparei com um jogo diferente, que por algum tempo me inspirou curiosidade, até que finalmente o desvendei: o xadrez. Foi em meio a alguns minutos de recesso que um amigo me ensinou, então ensinei ao meu pai e assim o xadrez foi a figurinha marcada por um bom tempo enquanto umas das brincadeiras preferidas. E dessa maneira o brincar foi constituindo-se na minha infância, das mais diferentes formas, nos mais diferentes espaços, experiências singulares, pessoas que também compartilharam o brincar comigo e com minha constituição. Contudo, seria um ledo engano se eu pensasse que o brincar ficou lá trás, nas longínquas memórias infância.
Seja nos jogos de tabuleiro com meus amigos, seja brincando com as outras crianças e bebês da minha vida e do meu trabalho na sala de aula. A gente vai percebendo que o brincar não tem idade e no brincar a gente se diverte tanto quanto tínhamos sete anos de idade. No frenesi da vida adulta a gente vai dizendo que não tem tempo, o cotidiano e a banalidade vão tomando conta da nossa alma. Não se tem tempo para cantar, para dançar, para sorrir. As obrigações que engolem todas as horas. A gente vai até se esquecendo que já brincou um dia, vai efetivamente acreditando que brincar é coisa de criança e vai deixando se esvair que para ser humano é necessário antes ter sido criança e portanto, o brincar também nos constitui e nos constituiu enquanto sujeitos.
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