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O NASCIMENTO DA INFÂNCIA - SÉCULO XII

- Ana Carolina Pais de Souza -



Do ponto de vista categórico, o conceito de criança surge, em meados do século XVIII, a partir da produção literária destinada para esse leitor. Anteriormente à fundação das escolas burguesas, no século XVII, não existia a percepção da necessidade de diferenciação da infância e da fase adulta, não haviam atividades específicas para a infância, pois desde muito pequenas as crianças eram inseridas em atividades ensinamentos de um ofício, da mesma forma não existia uma literatura específica destinada aos pequenos adultos que cotidianamente compartilhava os temas da vida adulta com todas as pessoas daquele período.

Não temos notícias da existência de um conceito formulado para esse período formador do desenvolvimento humano, que requerem tantos cuidados especiais, conforme afirmam estudos da atualidade, sobre desenvolvimento físico e cognitivo desta fase da vida, entre as várias ciências até então desenvolvidas. A principal implicação da ausência do próprio conceito de infância naquele período é a também ausência, ou impossibilidade de detecção, de uma atividade específica tida como infantil, tanto nas atividades lúdicas, como brincadeiras, quanto nas atividades de criação e literárias, especificamente destinada ao público infantil.

O imaginário e os valores populares depositados na forma de brincadeiras como parlendas, trava-línguas, contos tradicionais (que formaram a literatura infantil) sobreviviam através de artifícios da comunicação oral de contadores de histórias, jograis e menestréis acomodados numa dinâmica de vida comunitária e coletiva prevalecente na época, em contraponto à vida privada e individualista. A partir do século XVII tais atividades lúdicas, começaram a ser considerados como “jogos de aprendizado” embutidos nas formas de transmissão de versos, atividades lúdicas e dos contos tradicionais, e que anteriormente não se dirigiam a nenhuma faixa etária específica, juntamente com gravuras, adivinhas, rimas e jogos de palavras foram alguns dos artifícios de linguagem reaproveitados para dirigir-se ao público infantil com o objetivo de instruí-lo.

De origem oriental, temos notícias de várias narrativas medievais arcaicas difundidas no ocidente (Europa) e posteriormente em colônias americanas, que se transformaram em um apanhado de atividades folclóricas e culturais praticadas por pequenos adultos, que foram se tornando aos poucos manuais e compêndios que hoje conhecemos como literatura infantil. Um exemplo disto é o conto intitulado atualmente de Cinderela chinesa, datado de meados de 860 a. C. que posteriormente foi adaptado para outras versões por diversos escritores, passando pelas versões do escritor francês Charles Perrault, de 1697 e Irmãos Grimm no século XIX, por exemplo.

Este período anterior ao surgimento do conceito de infância foi marcado por um alto índice de mortalidade, pois ao tratar crianças como mini-adultos, muitas não resistiam, adoeciam e acabavam falecendo. Entender que os pequenos adultos deveriam ser tratados de forma mais cuidadosa contribuiu para o surgimento das atividades próprias desse período e para o surgimento do próprio conceito de infância, uma vez que:

“As crianças trabalhavam e viviam junto com os adultos, testemunhavam os processos naturais da existência (nascimento, doença, morte), participavam junto deles da vida pública (política), nas festas, guerras, audiências, execuções, etc... (...) nas tradições comuns: na narração de histórias, nos cantos, nos jogos" (Richter, apud Zilberman, 1982, p. 40).

A estrutura econômica e social sempre ditaram as relações e a percepção entre os estratos da sociedade. A noção de infância teve seu momento ápice no período da revolução industrial, séculos VXIII e XIX. A invenção de uma infância surgiu ao compreender a criança como tendo grande valor econômico para o desenvolvimento do meio urbano, e principalmente como futuro participante dessa estrutura, seja de forma “educada” seja de forma “marginal”. A obra Oliver Twist de 1839, do escritor Charles Dickens ilustra essa dualidade.

A partir dessa necessidade, a burguesia emergente dos séculos XVIII e XIX foi levada a criar escolas urbanas específicas para os indivíduos em formação, diferente das escolas já existentes até então, de educação religiosa, para que seus filhos dominassem a escrita, a leitura e a aritmética, para que pudessem tornar-se futuros dirigentes, donos de fábricas, dentre outras atividades da época. A infância mais do que nunca começou a ser considerada uma fase de aprendizado com atividades próprias pautadas na aquisição de conhecimentos específicos.

Ao observarem o alto índice de mortalidade entre crianças mais pobres e os filhos bastardos, deu origem á cuidados com a infância visando a diminuição da mortalidade e observando suas etapas de desenvolvimento, uma vez que possuíam fortes valores econômicos como mão de obra extremamente barata. O que beneficiava a economia e os dirigentes da época. É com esse viés capitalista que a infância, a observação de seu comportamento, atividades e seu desenvolvimento educacional toma forma e se desenvolve.

Questiona-se a partir daí a possibilidade de dividir as atividades, os conteúdos literários e próprios da infância em faixas etárias, dada a dificuldade em definir limiares entre categorias de jovens, como no caso da diferenciação entre “infantil” e “juvenil” e quais os costumes culturais naturais dessas etapas de desenvolvimento. Ressalta-se também que dada a existência atual de uma literatura não necessariamente didática (ou utilitária), tal divisão em faixas de idade perde relevância.

Independente da questão da categorização, é bastante clara a influência dos contos populares na gênese do que consideramos hoje a cultura infantil. Os demais pontos de contato entre ambos incluem: O elemento cômico; presença da fantasia excepcional; personagens não necessariamente pautados por uma ética geral; personificações e antropoformizações; ajudas mágicas; histórias imaginárias sobre a origem das coisas; histórias sobre iniciações; parlendas, trava-línguas, o final feliz.

No Brasil a descoberta da infância se dá tardiamente, no final do século XIX, a partir do exemplo e do roteiro trilhado pela Europa. A área da pedagogia também se associou ao conceito de infância através da literatura. Em meados do século XIX algumas iniciativas individuais produziram uma coleção chamada “Biblioteca Infantil Quaresma”, dirigida por Figueiredo Pimentel, em 1896, com textos traduzidos. Olavo Bilac compôs alguns poemas com as mesmas características didáticas da produção européia. Abaixo transcrevo um exemplo do poeta parnasiano preocupado com a infância:


AVE-MARIA


Meu filho! Termina o dia

A primeira estrela brilha...

Procura a tua cartilha

E reza a Ave-Maria

O gado volta aos currais...

O sino canta na igreja...

Pede a Deus que te proteja

E que dê vida a teus pais!

Ave-Maria!... ajoelhado,

Pede a Deus que, generoso,

Te faça justo e bondoso,

Filho bom e homem honrado;

Que teus pais conservem aqui,

Para que, um dia,

Pagar-lhes em alegria

O que sofreram por ti.

Reza e procura o teu leito

Para adormecer contente;

Dormirás tranqüilamente,

Se disseres satisfeito:

- “Hoje, pratiquei o bem;

Não tive um dia vazio,

Trabalhei, não fui vadio

E não fiz mal a ninguém.




Outro autor considerado o descobridor e revelador da infância através da literatura, como veículo de expressão da criança e não somente da sua educação é Monteiro Lobato. Em 1921, respirando ventos já modernistas, o Brasil recebeu uma literatura realmente ocupada com a infância brasileira: A menina do narizinho arrebitado (1921). Há muitos outros autores importantes para que a infância pudesse ser entendida, revelada e difundida como uma etapa da vida em processo e que revela a cultura da infância através de escritos, da literatura, dos compêndios de parlendas, trava línguas e brincadeiras em geral, porém a reunião desses autores poderão ficar para um próximo artigo. Por ora o objetivo foi mostrar a estreita relação do reconhecimento da infância com a literatura e o brincar.


Bibliografia


AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? Literatura infantil e prática pedagógica. 3 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

ARÍES, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1981.

BORDINI, Maria da Glória. Poesia Infantil. São Paulo: Ática, 1986.

FREITAS, M. C. de. (org.) História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997.

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