Camila Rafaela Santos de Morais
A Revolução de 30 e os Ideais Escolanovistas
O mundo enfrentava uma crise após a quebra da bolsa em 1929, e o Brasil por ser exportador sofre as consequências dessa crise, o que gera um descontentamento geral e consequentemente disputas políticas. A oligarquia cafeeira de São Paulo, rompe com Minas Gerais, e indica Júlio Prestes à presidência da República, enquanto os mineiros apoiam Getúlio Vargas para a sucessão de Washington Luís. Em 1930, Júlio Prestes ganha as eleições, porém não chega a assumir, devido a um golpe de Estado, e Getúlio assume então a presidência, fato que dá início ao que chamamos de fim da República Velha.
Com todos esses acontecimentos políticos, um grupo de intelectuais e educadores, se unem, e criam em 1932, um manifesto que ficará conhecido mais tarde como o “manifesto dos pioneiros da educação nova”, aproveitando o momento de reestruturação que o país passava para exigir uma educação pública e de qualidade para todos, abordando novos métodos e práticas pedagógicas, rompendo com o ensino tradicional, pois o analfabetismo alcançava índices alarmantes.
Uma das questões levantadas pelos Escolanovistas em seu manifesto era:
[...] Porque os nossos programas se haviam ainda de fixar nos quadros de segregação social, em que os encerrou a republica, há 43 annos, emquanto nossos meios de locomoção e os processos de industria centuplicaram de efficacia em pouco mais de quartel de seculo? Porque a escola havia de permanecer, entre nós, isolada do ambiente, como uma instituição enkystada no meio social, sem meio de influir sobre ele, quando, por toda parte, rompendo a barreira das tradições, a ação educativa, já desbordava a escola, articulando-se com outras instituições sociais, para estender o seu raio de influencia e a de ação?
Segundo Niemeyer (2002. p 81) esses educadores acreditavam no conceito de “escola comunitária, voltada à formação social, e [..] à expansão do lúdico junto à necessária prática de educação física (com praças de jogos, praça de esportes, piscinas e estádios)” como complementação dos períodos pré e pós escolares. Ou seja, a educação era vista como parte integral do ser humano e que deveria ser estimulada.
A turbulência política continua reinando em nosso país, e a cidade de São Paulo vive um período instável em que troca de prefeitos diversas vezes, até que em 1934, Fábio Prado assume o cargo, e como cita Niemeyer (2002, p.93):
Com o surgimento dessas novas demandas da sociedade, e com a incorporação do das propostas para a Escola Nova na constituição de 34, estipulando um plano nacionalmente integrado para o desenvolvimento educacional, Prado convida então, Mário de Andrade, para integrar o Departamento de Cultura, e junto com Fernando de Azevedo (um dos idealizadores do escolanovismo e do manifesto dos pioneiros), e outros intelectuais, começam a surgir a ideia dos parques infantis, como proposta de assistir os filhos dos operários, enquanto estes trabalham. Os parques eram para atividades extra-escolares, ou seja, tinham por finalidade ser um complemento para a educação formal, e ao mesmo tempo contribuir com a educação social e até mesmo higiene das crianças. O Departamento de Cultura e os Parques Infantis Os primeiros Parques a serem inaugurados ficavam na região da Lapa e Ipiranga Esses espaços atendiam crianças de 3 a 12 anos durante o dia, e de 13 a 21 anos no período noturno, chegando a atingir neste turno cerca de 300 jovens.
As crianças e adolescentes que frequentavam os parques, encontravam em suas rotinas inúmeras atividades lúdicas, educativas, e físicas: tinham hora da ginástica, da roda cantada, das músicas folclóricas, dos contadores de histórias, das tarefas. Outro ponto que nos chama a atenção, é a questão higienista do programa, que era severamente exigida. Quem frequentava os parques, passava por acompanhamento médico e odontológico, e era constantemente inspecionado, pois haviam também as horas relacionadas à higiene e saúde, como: lanche, almoço, e até mesmo a “hora de verificar a saúde”.
Quando Mário de Andrade, juntamente com Azevedo, o jornalista Paulo Duarte e outros, assumem seus cargos no Departamento de Cultura, criam uma lista de objetivos a serem cumpridos ao longo de sua implementação:
● Desenvolver e estimular iniciativas educacionais, culturais e artísticas. ● promover espetáculos teatrais, de música, de dança, canto e até mesmo de cinema. ● Promover palestras e cursos, que possam contribuir com a extensão da cultura. ● fiscalizar as instituições recreativas e de divertimento público do município ● Recolher e documentar materiais históricos e sociais que contribuam com estudos sobre a cidade de São Paulo. ● Criar e organizar bibliotecas públicas para a difusão da cultura a todos.
Este último, resultou na inauguração em 1936,da Biblioteca Monteiro Lobato, a primeira especializada no público infanto-juvenil do país, e mais antiga em funcionamento. Além da Monteiro Lobato, outras bibliotecas foram sendo criadas durante a gestão de Mário no DC, sendo algumas inclusive, dentro dos parques infantis, onde os livros podiam ser levados para casa, ou lidos em espreguiçadeiras montadas exclusivamente para isso, tudo isso com o intuito de incentivar as crianças que ali frequentavam ao hábito da leitura. Mário criou também uma biblioteca circulante, no qual um carro especial, projetado pela Ford, percorria os bairros operários. Também percebemos a presença dos outros aspectos citados acima, quando lembramos que nos Parques, as crianças tinham aulas de pintura, dança, canto, além claro, dos jogos e brincadeiras regionais, que vinham do levantamento de pesquisa popular feito durante as viagens antropológicas que Mário fez pelo Brasil.
Ao que se refere à criação artística da pintura, o artista acompanhava e incentivava as criações dos pequenos, orientando inclusive que as professoras não interferissem no processo, de modo que muitas vezes estas escreviam no verso dos desenhos “foi respeitada a expressão da criança quando disse que fez”. Haviam mostras, onde as crianças podiam expor suas obras, e o próprio Mário chegou a financiar do bolso algumas, pois como era um admirador das artes, colecionava os desenhos.
O Estado Novo e o fim do Departamento de Cultura Durante três anos, os Parques Infantis e o DC, foram o centro da proliferação cultural de São Paulo, porém após um novo golpe dado por Getúlio Vargas em 1937, que dá origem ao Estado Novo, as coisas começam a mudar, e em 1938, com o início da ditadura, Fábio Prado renúncia ao cargo, e o novo prefeito Prestes Maia, não dá continuidade ao projeto dos parques, como cita Niemeyer (2002) “[...]
Prestes Maia não dará a mesma importância ao maior programa em andamento no Departamento de Cultura como prova o cancelamento da construção dos 46 novos parques previstos [...]” . Mário de Andrade também renúncia ao cargo logo em seguida, embora ainda continue por mais 6 meses no Departamento de Cultura. Após isso, o projeto vai perdendo sua essência, embora ainda dure por mais trinta anos, até sua extinção completa em 1970.
Considerações Finais Ao fazermos uma análise comparativa das propostas de Mário de Andrade e Fernando de Azevedo para o extinto Departamento de Cultura e seus Parques Infantis, percebemos que havia uma preocupação com a formação sócio-cultural dos futuros cidadãos de nossa cidade, em uma época em que não se discutia lazer e cultura para os mais pobres. Ainda hoje, é muito difícil encontrar acesso à cultura em nossas periferias vindo da parte do nosso Estado, porém, temos os CEUs, que apresentam uma proposta semelhante à dos Parques, propondo a expansão da cultura através da arte e do esporte, e que assim como os o primeiro, também tenta trazer a comunidade ao redor para dentro, através de shows, peças teatrais, cinemas, etc.
Por ser tão inovador e ousado, este é um projeto que foi de extrema importância para nossa cidade, pois contribuiu, mostrando-nos que a arte e a cultura são agentes transformadores, e que os planos de Mário, embora não tenham ido em frente, por conta da situação política, mostram-nos o quanto educar e formar cidadãos conscientes e plenos, é temido pelos poderosos, visto que esse foi um dos fatores que contribuiu para o fim do projeto.
Portanto, devemos exigir como educadores, que projetos como este, existam cada vez mais e em maior quantidade, para honrarmos a memória de Mário de Andrade e seu sonho de nos tornar uma sociedade plena, pois como ele cita em seu discurso de paraninfo do Conservatório de Música, em 1935, “a cultura, assim como o pão, é uma forma de alimento diário indispensável para o crescimento e desenvolvimento do indivíduo e da comunidade, de uma forma que faça justiça à pessoa humana como ser ‘racional’ ” ( Andrade, 1935 apud Shelling,1990, p.171)
REFERÊNCIAS ARANTES, Ana Cristina - Os Parques Infantis de Mário de Andrade. 1º Colóquio Internacional de história cultural da Cidade, Porto Alegre, 2015 http://www.ufrgs.br/gthistoriaculturalrs/03LIANACristinaARANTES.pdf acessado em 18/01/2017 às 14:40 AZEVEDO, Fernando de et all. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova- Documento original disponibilizado pelo INEP, 1932 http://download.inep.gov.br/download/70Anos/Manifesto_dos_Pioneiros_Educacao_Nova.pdf CABRAL, Maria Aparecida da Silva. Mário de Andrade e o projeto dos Parques Infantis em São Paulo- Artigo publicado nos anais do XVI Encontro Regional de História da Anpuh - Rio / Saberes e Práticas Científicas, Outubro/ 2015 http://saopaulosao.com.br/conteudos/ensaios/784-mario-de-andrade-e-o-projeto-dos-parques-infantis-em-s%C3%A3o-paulo.html acessado em 18/01/2017 às 14:28 Centro de documentação e referência Itaú Cultural- Mário de Andrade e os Parques Infantis. São Paulo, Itaú Cultural, 1ª Edição, 2013. FARIA, Ana Lúcia Goulart - A contribuição dos parques infantis de Mário de Andrade para a construção de uma pedagogia da educação infantil- Educação & Sociedade, ano XX, nº 69, Campinas, Dezembro/99 http://www.scielo.br/pdf/es/v20n69/a04v2069.pdf acessado em 18/01/2017 às 14:35 NIEMEYER, Carlos Augusto da Costa- Parques Infantis de São Paulo- Lazer como expressão de cidadania- São Paulo, Annablume, Fapesp, 1ª Edição., 2002. SHELLING, Vivian- A Presença do Povo na Cultura Brasileira- Ensaio sobre o pensamento de Mário de Andrade e Paulo Freire- Campinas, Editora da Unicamp, 1ª Edição, 1990. VIEIRA, Sandra Aparecida Bassetto- Os Parques Infantis da cidade de São Paulo (1935-1938): Análise do modelo didático-pedagógico- artigo publicado em UNESP Marília, Revista de Iniciação Científica da FFC, v.4, n.1, 2004. http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/ric/article/viewFile/75/77 acessado em 18/01/2017 às 14:26
http://download.inep.gov.br/download/70Anos/Manifesto_dos_Pioneiros_Educacao_Nova.pdf
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