- Ana Claudia Di Tullio -
O ato de brincar tem papel central na vida de uma criança. Principal maneira com que ela se relaciona com o mundo. Quando brinca, a criança tem autonomia. Coloca no brincar sua vontade, seu desejo. A brincadeira constitui parte essencial da cultura infantil, construção viva e orgânica. Através do brincar, o sujeito transforma seu ambiente.
Para mim, o desejo de ser uma agente do brincar surge da experiência de ser professora. Do desejo de ser alguém que possa propiciar momentos, ambientes e lugares em que o sujeito criança possa ser livremente, possa brincar do que quiser e fazer o mundo do seu jeito. E, da mesma maneira, a criança existente em todo adulto.
Sou uma pessoa adulta. Mas não é por isso que deixo de brincar. Estou brincando a todo o momento: quando lavo louça, brinco de lavar primeiro todas as facas, e depois todos os garfos e só depois todas as colheres. Quando estou andando na rua, brinco de pisar apenas nos tijolos pretos. Brincava que minha cachorra era minha filha, e conversava muito com ela. Brinco de colorir as bordas dos cadernos. Brinco de enfiar a mão no pote de arroz e sentir os grãozinhos tocando meus dedos. Brinco de estourar as bolinhas do plástico-bolha. Assim como a protagonista do filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulan”, de Jean-Pierre Jeunet, encontro prazer em me relacionar com o mundo de forma lúdica. Sou também brincante.
O agente do brincar não é um professor. Não é um instrutor, não é um recreador. O agente do brincar é um indivíduo que cria situações a serem descobertas, lugares a serem explorados e ambientes a serem transformados. É um profissional que agencia tudo isso, de modo que o brincante de qualquer idade transforme a realidade dada, relacionando-se com ela.
As crianças me ensinam diversas outras maneiras de brincar. Ser professora de artes de educação infantil é acompanhar a construção do mundo pelas crianças. E elas estão constantemente construindo-o. Com a tinta, com o lápis e com a massinha. Dar uma pincelada no papel é criar uma estrutura. E quem comanda o pincel comanda o mundo: cria suas regras, cria seus limites. O limite pode ser o papel. Mas pode ser a mesa, o chão, o braço, o rosto. No momento em que lê imagens, a criança também brinca. Olha a pintura de um artista e, brincando, vê. Vê que os olhos são engraçados, que o chapéu parece um carro, que as cores são esquisitas. Brinca de descobrir as coisas.
Como professora, meu papel é mediar. É mostrar quantos caminhos são possíveis. Também é observar, e a partir da observação fazer decisões que possam aumentar ainda mais a fruição da criança naquele momento.
Quando brinca, a criança vive. Vive seu momento, vive outros momentos. Pode ser ela mesma, mas também pode ser outra. Pode estar ali, mas pode também ir para outros lugares. O que importa é que, no brincar, a criança é. E é pelo brincar que ela descobre o mundo, descobre os desafios, descobre os limites de seu corpo. É pelo brincar que a criança se relaciona com as outras pessoas, adultos e crianças. Brincadeira é simbolismo. E é através desse que a criança pequena representa o mundo.
E que criança é essa? Qualquer uma. Toda e qualquer criança brinca. Ainda que não possua infância, a criança tem uma capacidade inata de ver o mundo pelos olhos do brincar. Capacidade essa que se vai diminuindo ao longo da vida. Mas que é essencial. Penso em filmes como “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni; “O Labirinto do Fauno”, de Guilhermo del Toro; “Filhos do Paraíso”, de Majid Majidi; infâncias que foram suprimidas, vidas possíveis através do brincar, do olhar lúdico sobre o mundo.
Quero ser uma agente do brincar para ser capaz de criar e propiciar ambientes, momentos, lugares e situações para que crianças de quaisquer idades e origens possam construir suas realidades, possam tornar-se brincantes em toda sua potência. Possam criar mundos. Desta maneira, vou eu também construindo minha realidade.
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